quarta-feira, 14 de março de 2012

Desejo.

Acorda sete horas da manhã e vai para o closet pegar o terninho da Gucci separado na noite anterior com os sapatos de bico finos e alto da Louis Vuitton.Cabelo bem preso em um coque, maquiagem inpecável, jóias da Vivara e desce tomar café sozinha.A mesa posta com tudo que há de melhor na padaria mais elegante da cidade.Sozinha.O filho está em um internato no exterior, os pais em uma casa de repouso considerada perfeita e luxuosa,mas ela nunca foi lá conferir e nem visitá-los.O marido é apenas mais um inútil que serve apenas para manter as aparências.Afinal,como uma mulher de sua estirpe, bela, rica, seria vista pela alta-sociedade sem um marido à tiracolo?Confere sua agenda minuciosamente e a considera inútil e desgastante. Ida à empresa de manhã para participar de reuniões de um conselho que não serve para nada, apenas um monte de puxa-sacos.Almoço no restaurante mais disputado da cidade,talvez peça um salmão ao molho de maracujá com salada de rúcula com tomate seco e um suco de limão siciliano.Compras à tarde para um jantar beneficente à noite que lhe é útil apenas para conseguir contatos e fechar negócios.Talvez leve o marido, inútil, para mostrar para as madames como o seu é mais lindo, elegante e bem humorado que o delas.Dormem em quartos separados e nem se beijam. Ele que se vire com as mulheres da vida que ele arruma por aí. Dá uma lida em uma revista sobre economia e chama o motorista para sair.Como ela amava isso. Era bela, cabelos loiros levemente ondulados, branca, olhos castanhos e boca fina.Alta, com as medidas certas no corpo. Sempre bem elegante, bem vestida, jóias caras. Música era total perda de tempo.Filmes eram fúteis. Teatro era entediante. Festas para que? Apenas ver a decadência humana através do álcool? Champagnhe e somente para ocasiões nos quais ele é necessário. Respeitada? Não. Temida. Entra no carro e passa ao motorista o lugar onde quer ir. Meu Deus,como ele dirige calmamente no transito infernal desta cidade. Evita olhar para os lados. Proletários, apenas formiguinhas, um a mais , um a menos, não faz muita diferença. Mendigos? São apenas preguiçosos, parasitas da sociedade. Favelados e biscates da esquina então, nem se fale. Eis que o carro para no semáforo e ela vê. Uma moça mais baixa, gordinha, cabelos mals presos em um rabo de cavalo, bijuteria barata comprada de um ambulante qualquer, uma camiseta simples, calça jeans puída e um all star imundo no pé. Uma bolsa aberta mal pendurada em seu ombro, livros e mais livros equilibrados em seus braços de um modo que a física não consegue explicar. Cara lavada, um anel simples no dedo.Ela acordou atrasada, o celular não despertou pois acabou a bateria no meio da noite. Tomou alguns goles de café amargo que o namorado mal terminou de coar. Lavou o rosto, se vestiu com as primeira peças de roupa que encontrou pela frente, prendeu o cabelo, pegou alguns trocados para o ônibus e suas coisas para ir trabalhar.Ganhava pouco, morava em uma kit net com o namorado, não tinha dinheiro para casar de papel passado e na igreja igual seus pais sempre quiseram. Ficou de ir visitá-los no fim de semana, ver como estão. Não sabe se vai conseguir almoçar hoje e provavelmente vai comer algum salgado frito do dia anterior no boteco mais próximo ao serviço. Relatórios e mais relatórios para fazer. Também está em dúvida sobre em qual horário vai chegar em casa. Não pode esquecer de passar no mercado. Acabou a comida do cachorro. Por um momento olha para um fusion com uma mulher elegante dentro, fina, séria, com o motorista de uniforme parados no semáforo. Seus olhares se cruzam. Por um momento pensam juntas: queria a vida dela. Seria mais feliz. O semáforo abre, cada uma continua seu caminho, o desejo de uma vida diferente passa.Nunca mais se viram.